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Contrariamente ao que correntemente se pensa, o Cão de Gado Transmontano não é, dadas as suas características, um cão que permaneça junto do rebanho na expectativa de que ocorra um ataque de lobo para, então, o defender. Pelo contrário, a sua acção é essencialmente preventiva, evitando que os ataques aos rebanhos se concretizem, conforme se descreve em seguida.
 
O dia típico do Cão de Gado Transmontano inicia-se ao amanhecer. Quando o dono aparece com a comida, os cães, que pernoitaram nas imediações da curriça ou estábulo, surgem, em geral de locais diferentes, com grandes manifestações de alegria. Pernoitaram debaixo de uma giesta, junto a um fardo de palha, ou mesmo em pleno campo aberto, dependendo das condições atmosféricas. A refeição, que consiste num caldo pobre, de pão, batatas cozidas e sobras de refeições, a que, por vezes, se juntam alguns ossos ou carne crua, é despejada num recipiente único, por exemplo, um pneu cortado ao meio, onde os cães “repartem”, com alguma contenda, a comida.
 
 
Enquanto devoram, rapidamente, o que foi posto à sua disposição, o dono verifica o estado das ovelhas, cuida e separa as fêmeas paridas, aparta os cordeiros e, só depois, parte com o rebanho para o campo. É então que o Cão de Gado Transmontano inicia a sua tarefa. Partindo à frente do rebanho, fareja todos os cruzamentos e rastos frescos deixados pelos animais que na noite anterior cruzaram o caminho do rebanho para os pastos. Normalmente, durante a Primavera, o Outono e o Inverno, o gado começa por ser conduzido para o mato, a fim de “forrar” as ovelhas, isto é, para que elas comam mato, urze, giesta ou esteva, antes de começarem a comer erva, muitas vezes húmida, de forma a evitar distúrbios digestivos. É esta uma das alturas de maior trabalho dos cães que, activamente, na frente do rebanho, farejando rastos ou “apanhando” ventos, tentam detectar qualquer animal selvagem, que, se avistado, prontamente perseguem e expulsam do matagal. Nesta actividade, os cães assumem uma função mais preventiva, com um comportamento muito semelhante ao de um cão de caça. Com o seu trote ligeiro percorrem o monte num constante vaivém, sendo os cães mais novos, em geral, mais activos do que os mais velhos. Se detectam o rasto fresco de uma raposa, javali ou lobo dão rapidamente inicio a uma afincada perseguição, latindo o cão da frente, como um cão de caça, logo que obtém contacto visual com o animal perseguido, sendo seguido pelos restantes. Os cães mais velhos e experientes não se afastam muito do rebanho, enquanto os mais novos dão largas à sua energia, podendo, no caso de ter contacto com o animal bravio, fazer perseguições de mais de um quilómetro. Após a perseguição, um a um, regressam ao rebanho. O modo de latir do cão, assim como todo o seu comportamento, permite que um pastor experiente – e até mesmo as ovelhas –, fique com uma noção mais ou menos real do perigo detectado, pois a reacção parece ser diferente consoante se trate de uma raposa ou de um lobo, de um javali ou de um corço. Nestas perseguições, não é raro os cães matarem corços ou raposas e, mais esporadicamente, javalis; ou então, serem feridos por javalis ou mortos pelos lobos. A cor dos cães, predominantemente branca, e a sua cauda levantada, quando estão em acção, facilitam ao pastor a observação das suas evoluções no mato e a avaliação de um eventual perigo. Segundo dizem alguns pastores, a cor branca, predominante, também evita que o gado se espante com facilidade quando os cães regressam ao rebanho.
 
Este tipo de actividade do cão vai diminuindo com o aproximar do meio do dia e, já com o rebanho em pastos mais abertos – lameiros, restolhos ou pousios –, é, então, possível observar os cães deitados a descansar, ora no meio do rebanho, ora em algum lugar em volta que lhes permita “vigiar” um eventual perigo.
 
Chegado o final do dia, inicia-se novamente a tarefa de abrir ao rebanho o caminho de regresso, através dos pastos. Desta vez, os cães podem ter mais ou menos trabalho, consoante as características dos pastos que são atravessados. No caso de serem zonas abertas, o trabalho é mais fácil; se forem zonas de mato, bosques de carvalhos ou outro tipo de vegetação fechada, o ritmo de actividade é semelhante ao da manhã. Porém, no regresso à curriça, existe um pormenor bastante importante e muito apreciado pelos pastores. Enquanto os machos mais novos vão na frente do rebanho a “abrir caminho”, um cão mais velho, ou, muito frequentemente, uma cadela mais velha, fica na traseira do rebanho. Esta função reveste-se de grande importância, porque o pastor, tendo necessidade de ir à frente do rebanho para o conduzir no regresso a “casa”, não lhe pode proteger a rectaguarda – que é, a esta hora do final do dia, a parte mais vulnerável – de um ataque de lobo, ficando, então, esse papel entregue a um dos cães.
 
Esta rotina é interrompida com o aproximar do Verão. O calor que se faz sentir nessa época do ano impede que os rebanhos pastem durante grande parte do dia. Desta forma, o pastoreio dos gados é repartido por dois períodos. O primeiro tem início entre as quatro e as cinco horas da manhã e termina por volta das nove ou dez horas. O segundo período inicia-se por volta das oito horas da noite e termina entre a meia-noite e as duas da manhã. Nesta época, o gado quase nunca é encerrado na curriça, permanecendo entre a meia-noite e as cinco da manhã no campo, ao ar livre, encerrado em cancelas. Os cães, e frequentemente também o pastor, pernoitam junto do gado. Algumas vezes, este período de pernoita nas cancelas, é também de grande actividade para os cães, no caso de detectarem a aproximação de lobos ou de outros animais bravios. Nessa altura, ladram constantemente face à proximidade de um eventual perigo e, com muita frequência, desdobram-se em pequenas perseguições, após o que voltam muito rapidamente para as cancelas do gado.
 
Durante o dia, e após o primeiro período de pastoreio, dá-se de beber ao gado, deixando-o depois numa zona com sombra, que pode ser um souto de castanheiros, um bosquete fechado de carvalhos, ou um lameiro com freixos. Aproveitando esta pausa, o pastor regressa a casa para descansar, ficando os cães nas imediações do rebanho, procurando, eles também, refúgio em zonas frescas – uma linha de água, uma sebe ou mesmo uma horta. É habitual escavarem buracos para se estenderem na terra fresca, ou mesmo deitarem-se durante alguns segundos numa charca para refrescarem. No Verão, é apenas durante estas horas do dia que os cães têm algum descanso na sua tarefa de defender os rebanhos.
 
Este trabalho de protecção do rebanho é sempre desempenhado por mais do que um cão e parece ser mais eficaz com três ou mais cães, com idades diferentes, visto que os cães mais velhos e mais experientes, aquando da perseguição a um lobo, não deixam o rebanho por muito tempo, e os cães mais novos são, em geral, mais activos e desempenham melhor a função de evitar que os ataques se concretizem. O comportamento de defesa do rebanho é inato. No entanto, um cão novo pode tirar partido da aprendizagem, se crescer com cães mais velhos e experientes. Quando retirados ainda cachorros destes ambientes, os cães têm tendência a adaptar este comportamento inato ao novo meio onde forem inseridos – ver “Viver com o cão de gado transmontano”.
 
A actividade de acompanhamento do rebanho inicia-se cedo, por volta dos dois meses de idade, quando o cachorro começa a seguir a mãe no seu dia a dia de trabalho. Os dias de descanso são raros, coincidindo com o da tosquia anual do rebanho e pouco mais. A sua tarefa termina apenas no fim da vida, quando o cão atinge oito a onze anos de idade e já não tem forças para andar, acabando por morrer, um pouco por velhice e um pouco por tristeza por já não poder seguir com o seu rebanho.
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